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Crônicas da vida diária

DEUS E O DNA

Autora : Lia Pantoja Milhomens

Em 08/08/2007

 

 

 

 

                                                Em  dezembro de 2004,  em dia que  não  me recordo, assisti, como de hábito , a uma entrevista científica em um canal fechado de televisão, na qual era entrevistado um dos maiores luminares da nova ciência genética, especialista no estudo de vanguarda  sobre células-tronco , representante da corrente favorável à  clonagem humana.

 

                                                Discorrendo  magnificamente  sobre respiração celular,sobre  mitocôndrias, gens, cromossomos , adeninas, citosinas, timinas, guaninas, DNA, desorribose, nucleotídeos, filamentos, o cientista extasiava os telespectadores, inclusive eu mesma , apreciadora  de ciências biológicas,  e, visivelmente, o entrevistador. Então este , a certa altura,   fez-lhe  a pergunta que todo  mortal gostaria  de ver  respondida  algum dia por  um gênio científico como aquele : depois de tantos e extraordinários conhecimentos  adquiridos sobre a vida  do ser  humano, poderia ele  dizer se acreditava  na existência  de Deus?

 

                                               Então, veio a resposta avassaladora :

 

                                                  - Não só acredito, mas afirmo a sua existência, pois o vi e estou  sempre  com Ele quando me encontro estudando o DNA !

 

                                               Entusiasmado, o repórter foi  mais a fundo em sua indagação e perguntou  se  Deus  estava  no  DNA .  E a resposta  do  luminar dos conhecimentos   humanos   foi  simples, direta  e esclarecedora :

 

                                                  - Não !  Deus não está  no DNA . O DNA é Deus !

 

                                                 Depois  de uma pausa  , em  que se  fez  um silêncio grave,  como o que sempre se  faz no momento  seguinte a uma  grande  revelação,  ele  explicou :

 

                                                - Não existe  nada  maior do que Aquele que  cria  a vida, determina as suas  características  e a sua  duração –somente  o DNA é capaz  de  realizar  tal prodígio. Portanto, o DNA é  o ser supremo,  é Deus.

 

                                               Recuperada  da  primeira surpresa, imediatamente  veio-me ao pensamento : nessa  linha de raciocínio, chegaremos  à  conclusão de que  esse  senhor  cientista está acima de Deus –eis que, sendo Ele o DNA, quem o manuseia, quem o  transfere, quem o modifica,  será então o quê? E , ainda, que Deus é esse  que se deixa fazer  de brincadeira nas mãos de um mortal? Nem os deuses das antigas religiões se deixavam  usar assim –eram eles  que  se ocupavam  em fazer brincadeiras  com os humanos! Será, pois, que  estaremos  retornando aos tempos vetustos ? Mas  que estranho retorno! Pois agora não existiria  apenas um Deus, mas, também, inúmeros Super-Deuses , tantos quantos  se dispusessem a estudar  genética  - e todos  mortais ! Como deveria  eu entender  essa  situação –seria isso  uma tragédia ou uma comédia ? Ou seria uma moderna versão  da ópera cômica de Offenbach,  “Os Contos de Hoffman”, na qual  se  conta a historia de   um cientista que constrói   uma  boneca tão perfeita que  um pobre poeta, ao contemplá-la, julgando-a  uma  linda jovem  cheia  de qualidades, por  ela  se apaixona  profundamente –o grande  cientista seria  Deus  e o pobre  poeta o entrevistado?

 

                                               Logo a seguir  fez-se  um intervalo comercial  e, ao retorno  da programação, pude  ver  que  não se tratava  de  nenhuma  ópera, mas  do  programa  de entrevistas anunciado  desde a véspera  pela  emissora de  TV.

 

                                                  

                                               Transportei-me  mentalmente, então, para os dias  de  minha infância , pois me veio à mente  um episódio   parecido:  aos  seis anos  de idade, ganhei de presente  de meus pais um conhecido jogo de  inteligência  conhecido como “quebra-cabeças”, que,  completo, formava  o célebre quadro  de Leonardo  da Vinci,  a Mona Lisa  ,   cuja história  me  explicaram naquele  momento.  Ainda com  pouco desenvolvimento  intelectual  para  alcançar o valor  intrínseco do original  da célebre  obra  de arte,  embora  lhe tenha reconhecido toda a beleza e esplendor,  resolvi  brincar  com  o  meu presente  e aceitar  o seu desafio  :  sentei-me no  chão   e embaralhei  todas  as pequeninas peças que formavam a figura, depois as  misturei, sacudi-as, peguei uma a uma  e  procurei  seu  lugar  exato e  ao  fim  de meia hora,  consegui  completar  o  retrato. Repeti  o jogo várias vezes e ao final  já  conseguia  montar  a figura  em  alguns  minutos.  Empolgada com a  brincadeira, saí  gritando  pela  sala , em  minha lógica pueril :

 

                                               - Papai, mamãe, eu sou  mais  importante do que  esse Da Vinci! Ele só conseguiu  fazer  um  retrato da  Mona Lisa  e eu consigo  fazer quantos eu queira, os  desmancho e  os faço de novo, todos iguaizinhos!

 

                                               Àquele tempo  eu não entendi  o sorriso  bonachão  de meus pais, mas , atualmente, eu  mesma  rio  de  mim ao recordar  tamanha arrogância infantil.

 

                                               Aguardei o final da apresentação  e  decidi meditar  profundamente sobre  tudo aquilo que acabara de presenciar : um desenvolvimento tecnológico tão  elevado e a incapacidade   de distinguir  uma  realidade  imaterial  de  outra material.

           

 

                                               Se  aquele cientista foi capaz de  fazer  uma dedução  daquelas  sobre a natureza  divina,  então  o que  não serão  capazes  de  deduzir os outros seres   humanos,    bem   menos ilustrados , como é a maioria de todos nós ? Pelos absurdos  morais e éticos  que  se vêem atualmente  em todo o mundo, levados a efeito apenas  pelo ser  humano , contra si mesmos  e toda a natureza e seus outros  habitantes, destruindo o planeta com suas atividades  que entendem serem tão importantes, pode-se imaginar :  será que   seres  mais evoluídos não vão achar  que todas as suas descobertas científicas  não passam de  peraltices  de seres  infantis?Pessoas que, irresponsavelmente,  estão destruindo  o planeta  como se este fosse  um brinquedo  que  ganharam  de presente  de Deus (encarado por todos que assim agem  como  a figura do seu  pai humano, imperfeito como  eles, sem responsabilidade  pela incolumidade  de todo o universo)  para  o seu mero  deleite   podem  destruí-lo, porque  depois “Papai”lhes  dará mais outros brinquedos, isto é, outros planetas,  talvez  até  melhores e maiores,  para  poderem continuar essa obra de vandalismo?

 

                                               Pelo visto, só se pode concluir que já é tempo de nos tornarmos  adultos, urgentemente, para fazermos  logo  nosso rito de passagem, para não destruirmos todos os universos existentes, ou sermos, antes disso, destruídos. E  para fundamentar essa opção, não necessitamos de  muito esforço intelectual, basta, antes de tudo, interpretar o nosso Livro mais sagrado, onde   se encontra, em apenas  uma frase,  uma  dupla ordem de  Deus   a Adão  e Eva ,  a propósito da humanidade que  representavam : “Crescei e Multiplicai-vos”.

 

                                                 

                                                  O   “crescei “ , no episódio bíblico , parece-me após intensa meditação,  estar     empregado  no sentido  moral,  de “evoluir “, simplesmente  porque,  se  Adão e Eva  já  foram criados fisicamente   adultos,  e  isso  está  reportado  em todo Gênesis ,  que  necessidade  havia o seu próprio Criador   de  lhes  ter dado  essa  ordem  para  crescerem  no sentido físico , se  Ele mesmo assim já os fizera?  Sem dúvida, essa  primeira parte  da ordem divina é  necessária e condicionante  da segunda , o “multiplicai-vos“, eis que Ele, onisciente, não iria desejar que  seres infantis  e irresponsáveis pudessem  se  tornar  tão numerosos a ponto de ,futuramente,   ameaçar parte ou  toda a sua criação.

 

                                               E, por que, poderiam perguntar-me , se até  o momento ainda não nos preocupamos em ser ou não crianças , e  temos vivido  relativamente bem  e alcançado  um  desenvolvimento tecnológico maravilhoso, na condição em que  nos encontramos,  justamente agora  deveríamos  fazer nosso rito de passagem  para a idade adulta?

 

                                               A resposta é simples : primeiro, porque  a maior parte da humanidade não vive  sequer  regularmente,  mas sofrivelmente ;  por outro lado ,   os mais bem aquinhoados vivem sempre  com  medo   dos  acontecimentos   criados  pela  violência em todos os   níveis e em todos os países do mundo, quer  sendo alvos  de guerras  ou de terrorismo, num sentido geral, e , individualmente,  do egoísmo   e da falta  de  educação  cívica e moral do nosso  semelhante.  A par  disso,  com o desenvolvimento tecnológico alcançado, que  independe desses fatores, estamos  iniciando  uma  nova fase de Grandes  Descobrimentos,  como ocorreu  na Idade Média  e  dos quais  os nossos antepassados  não souberam  fazer  bom uso :  foram  destruídas  civilizações maravilhosas que  muitos benefícios  poderiam ter trazido ao  mundo todo,  e  as riquezas  encontradas  logo  desapareceram  na  poeira  do tempo. E voltamos novamente aos grandes problemas  existentes no Antigo Continente, agora  espalhados pelo Novo Continente e as outras regiões  descobertas, além de mais alguns provenientes   dessa atividade destrutiva deles.

 

                                                Se nos incomodarmos  em  ler  um pouco de História,  veremos que  o  ser  humano  , de tempos em tempos,   se vê  diante  de situações assemelhadas  e  repete  sempre  os  mesmos erros e sofre  similares conseqüências.  Ora,  errar  é  humano, justamente  para que  se  possa aprender com os  erros, mas  repeti-los constantemente, ainda mais em prejuízo  próprio, demonstra falta de acuidade  mental.  Se esta  existe  para o raciocínio  tecnológico, certamente  estará faltando para o raciocínio lógico.

 

                                               O que  existe, historicamente, é  um círculo vicioso  na escalada do  ser  humano –um círculo vicioso  que  o deixa,  como  um veículo  andando sobre  terreno  enlamaçado , atolado. E assim,  da mesma forma que o atolamento do veículo  aumenta mais   quanto mais  se utiliza a força  motora do veículo  , assim  se opera com  a  história  humana –quanto mais de tecnologia  pura  se utiliza,  em detrimento  de  raciocínio  lógico,  mais  se mergulha  nos perigos que   nos ameaçam,  pois  estes evoluem e surgem  novas formas, até então desconhecidas.E refaz-se todo o círculo, sempre preso  ao ponto de início.

 

                                               Por isso tudo é  que  se faz necessário  o desenvolvimento  das ciências   lógicas   ,  morais e éticas,  que  são  o verdadeiro contrapeso  para  podermos equilibrar-nos e alcançar com tranqüilidade  o bem-estar  individual e geral, que, em última análise, é a meta  de todo indivíduo, quer  como  humano em si, quer como componente do todo  da  humanidade.  Na  compreensão disso se  demonstra  ser  uma  pessoa adulta.

 

                                               Assim  como  enormes  surpresas  foram  apresentadas aos grandes  cientistas  da Idade Média, que  negavam a existência de  outros povos e outras civilizações  além  daqueles  que conheciam,  não  sabemos  que  outras  tantas  e  maiores surpresas  não nos estarão aguardando  fora  das fronteiras da nossa querida Terra –em  nossa época  nossos  cientistas,  luminares  tecnológicos,  também  afirmam  a inexistência  de outras  civilizações nos  inúmeros  universos  que  nos cercam . Aqui, como  lá, alguns cientistas aventam a hipótese contrária, mas  são  desconsiderados e escarnecidos. Mas  o que  ninguém  pode negar,  é  que , agora, no século XXI, como no século XV ,  essas  pessoas  possam  também  estar equivocadas,  e  estar agindo  com  a  mesma arrogância  infantil  que  uma criança  de 6 anos sente ao  resolver  o seu primeiro “quebra-cabeças”.

 

                                               Enfim,  na dúvida  de possuirmos  ou  não vizinhos,  e  mesmo  que eles  não existam,  devemos indagar-nos, agora, sim, agora que o nosso planeta está quase todo destruído  por  nós, o seguinte :

 

                                                 desejamos  ser  lembrados  em  tempos  futuros,  como  uma  espécie  extinta   que   deveu a sua extinção  por  ser  semelhante a  uma  grande nuvem  de gafanhotos que  tudo destrói  à sua passagem e  depois  se extingue  porque  nada deixou  para a sua própria subsistência  ,

 

                                                            ou então,

 

                                                desejamos  estar sendo lembrados, em  épocas remotas futuras,  por  nossos descendentes e talvez  por  outras  espécies  mais ou menos evoluídas do que  nós, como mensageiros da  paz  e  capazes  de  muito ensinar  e, mais ainda, de muito aprender.

 

                                               Para  a  segunda  hipótese, sim, é urgente  o nosso rito de passagem para a  idade adulta –e  esse rito   se traduz  em uma mudança de mentalidade, ao estabelecimento,  a  nível  mundial , de atos  concretos  de  justiça  social,  só  capazes   de serem  obtidos   com  moral e ética  elevadas. Não basta aos organismos internacionais e às elites dos países  do mundo  apenas  falarem  sobre  paz ,  mas, sim, de  efetivarem  medidas necessárias  ao término das enormes  diferenças  de condições  de  vida  dos  seres  humanos , quer  sejam  destinadas para  debelar  a fome, o analfabetismo, a  ignorância,  a falta de ética  para com os semelhantes e outros componentes da Natureza , quer  o término  de guerras , principalmente por motivos raciais ou   territoriais, quer  o cumprimento  de acordos internacionais  estabelecidos  pela ONU,  especialmente os   relativos às divergências  no Oriente Médio, fincados,  especialmente  nas discussões  sobre   direitos já estabelecidos desde o final da segunda grande guerra  mundial   sobre territórios, e  ainda  não cumpridos, decorridos mais de sessenta anos, quer  melhor  distribuição  de renda mundial , quer o   estabelecimento de um o  máximo de lucro  das empresas  multinacionais,quer tornando obrigatória a  divisão de lucros das empresas com seus  empregados,  quer a assistência completa  à  infância, quer a  educação  gratuita de qualidade, quer a  assistência médica gratuita  de qualidade  a todas as pessoas . Pelo menos esses itens, de início .

 

                                               Aqui,  me  pergunto : será  que  estou propondo  uma  nova Utopia?  Será  uma utopia  imaginar  que  o ser  humano, algum dia,  chegará à sua idade adulta, como  um grupo  , uma espécie? Creio que  não : se,  dentre  os  humanos  um grande  número de  indivíduos  já atingiu esse  estágio evolutivo,  por que  devo imaginar que  os  outros  não podem atingi-lo, se  possuem o mesmo  DNA  ?

 

                                               Esses  indivíduos que  , através  de  sofrimentos,  de  estudos,  de exemplos,  de vontade  interior, conseguiram evoluir,  já cumpriram  a  primeira parte do mandamento  divino  , já  estão em um  crescimento superior  e,  felizmente,  estão  se  multiplicando  e,  por  isso,  entendo  que a  minha suposta Utopia  é  uma  realidade, uma ainda não atingida realidade,  sim, mas uma  realidade possível   -  só espero que   os  seres  evoluídos  se  multipliquem  o mais  rapidamente  possível, a fim  de que  possam  anular  os  efeitos  da incapacidade de muitos de  bem  exercerem  o  seu  livre arbítrio. (Nota : multiplicar-se, aqui, não quer dizer  apenas dar à luz a outros seres, mas, também, que  outros humanos já  em plena atividade também atinjam  essa compreensão, passando a agir conforme esse entendimento).

 

                                               Ao final, só  me  resta  desejar  boa  sorte a todos, pois   o que de mal  ou de bem   fizerem  alguns  com  as rédeas  das decisões  nas mãos,  influirá  não só  no destino  deles,  mas  no  seu  e  no  meu e de nossos descendentes,  pois, quer queiramos  ou não,  somos feitos  do mesmo DNA , esse  elo  que  nenhum  mortal   tem ainda   o poder  de  extinguir  ou transformar em outro de uma nova espécie - a cada espécie foi dado pelo Criador  o seu  DNA   e é  nele que  está escrita a sua  História, e  , em termos  universais,  mais uma espécie  ou outra  que venha a ser  extinta porque não funciona conforme lhe foi determinado  não é de grande importância, é mais um  DNA  que se retira de circulação, porque , o que funciona em termos  de macro-universo,  como já   nos alertou  o grande  Einstein,   são as  leis gerais   ali estabelecidas,  às quais, queiramos  ou  não, estamos todos  sujeitos. As Leis de Justiça Humana são como as Leis de Newton –elas  somente  têm  aplicação  no meio ambiente terrestre. Fora da Terra, as Leis de Justiça que  vigoram  são  outras, certamente envolvendo  princípios  de moral e ética, certamente mais abrangentes  do que  os nossos. E, como a lei geral  indicada por Einstein, embora ainda não a conheçamos, sabemos que  elas existem –e quem  não é capaz  de   comportar-se  sob o comando de leis locais ou planetárias, certamente  não será também capaz  de se conduzir  de acordo com leis gerais  universais.

 

                                               A  partir do momento em  que   realmente  pudermos   ir além  das fronteiras do sistema solar  que  nos protege , então sentiremos os efeitos imateriais  das  leis gerais  universais, cujos efeitos não são tangíveis materialmente  , no sentido que  nossos atuais cientistas  entendem essa tangibilidade -  e para isso devemos estar  preparados.

                                                                                    

 


 

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