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Lei de Recuperação Empresarial

 

Do Processo e Julgamento dos Crimes Falimentares (Lei nº 11.101, de 9  de fevereiro de 2005)

 

Autor :  Paulo Roberto Leite Ventura
Desembargador, Presidente da 1ª. Câmara Criminal TJ/RJ e

Diretor-Geral da  Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro
In  Revista EMERJ, vol. 9, nº 33 – 2006, pp. 17-32

 

CONSIDERAÇÕES GERAIS
                                   Dentre as leis especiais ou extravagantes, no campo do Direito e do Processo Penal, está a Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de  2005, em cujo conteúdo revogou, às expressas, o Decreto-Lei nº 7.661, de 21 de  junho de 1945, como também os artigos 503 a 512 do Código  de Processo Penal, que regulam o processo e o julgamento dos crimes de falência, ressalvando o artigo 192 da  nova lei, como regra geral, que “não se aplica aos processos de falência ou de concordata ajuizados anteriormente ao início da a sua vigência”, os quais deverão ser concluídos à  luz do referido Decreto-Lei nº  7.661/45. Contudo, e curiosamente, no parágrafo  4º do referido artigo 192, o legislador dispôs  que, no caso de sentença de falência decretada depois da entrada em vigor da lei nova, quer resultante de convolação, de  concordatas  ou de pedido de falência anteriores,, observa-se o que dispõe o seu artigo  99, ou seja, nesse caso, muito embora incida o Decreto-Lei 7.661/45 até a sentença, a partir  desta e  posteriormente, aplica-se a  nova lei.


                                   A Lei nº 11,101/2005, diferentemente do Decreto-Lei nº 7.661/45, ao tratar incisivamente  muito mais da preservação da  empresa em momento de crise do que propriamente de sua falência, dá extraordinário realce a este  pioneiro instituto da recuperação (artigo 47, da Lei nº 11.101/2005).


                                   Esta lei, que à primeira vista causa perplexidade ao desavisado leitor, é  inovadora no campo do direito , à medida em que visa, como regra, a recuperação do crédito e, como alternativa extrema, a falência .


                                   Falir, juridicamente, quer dizer faltar ou suspender os pagamentos no âmbito do comércio. Assim, sob este  ponto de vista, falência quer dizer  o estado do comerciante que suspende  ou  falta aos seus pagamentos.


                                   Foi no Código Napoleônico de 1807 que a falência foi   disciplinada como instituição peculiar à  classe dos comerciantes, e a esse código se filiou o nosso código Comercial de 1850. Por ele, o interesse principal da falência estava na apuração da responsabilidade criminal do falido.


                                   Propõe-se aqui, sob ciência das  limitações doutrinárias que cercam o tema no âmbito do direito falencial, diante deste  novo instituto legal, analisar o processo e  julgamento dos crimes falimentares, que contêm tipos penais próprios e características processuais com rito bem diferenciado dos demais procedimentos.


                                   O procedimento falimentar se  inicia, como quer o artigo  180 da lei nova, com a sentença que decreta a falência, concede a recuperação judicial ou concede a recuperação extrajudicial, sentença   essa que, para  alguns, é meramente declaratória e, para outros, além de declaratória é também constitutiva.


                                   Partindo-se desta premissa, a conclusão a que se chega  é a de que a sentença declaratória da falência, ou a que concede a recuperação judicial ou extrajudicial, confere existência  jurídica aos crimes falimentares e se converte, por conseqüência, em condição objetiva da sua  punibilidade. A  respeito, a nova lei não trouxe  significativas  novidades dentro da dogmática, tanto que o saudoso e  mestre de todos nós, Nelson Hungria,m incluía os crimes ante-falimentares  no quadro dos crimes condicionados, nos quais a  punibilidade  é subordinada a  um acontecimento extrínseco e  ulterior à consumação (condição objetiva de  punibilidade).


                                   O  crime  falimentar é, por excelência,  concursual, face à correlação existente entre a  falência e o crime falimentar,  razão por que  é de se aproveitar a  lição do professor Manoel Pedro Pimentel, quando afirmou alhures que a existência do crime falimentar está a depender da declaração da quebra, aduzindo, ainda, que o “crime falimentar  é crime concursual, pois o seu  reconhecimento depende de  um fato exterior à sua  própria  conceituação típica. Além da  integração dos elementos constitutivos da sua figura típica, de concorrer à declaração da quebra” e, hoje, pela nova lei,  de  decisão que concede a recuperação  judicial  ou extrajudicial.


                                   O  sempre  lembrado professor Oscar Stevenson, em sua  obra  sobre Crime Falimentar, lecionou : “chamam-se crimes concursuais ou concursais  aqueles que concorrem com outros  fatos jurídicos estranhos  à esfera do Direito Penal, incluindo-se entre eles, sem dúvida, o crime falimentar”.


                                   Importante salientar que  o crime falimentar tem por objetivo atentar contra  o comércio, sendo o crédito público o bem jurídico tutelado  pela  lei, gerando causas que venham a atingir a esfera  penal, decorrentes da conduta criminosa do comerciante.


                                   Correta, a  meu juízo, a  posição do jovem professor Arthur Migliari Júnior, ao prelecionar que “das várias definições estudadas, sentimos que  os crimes falenciais têm  natureza  híbrida, posto que ferem mortalmente  o crédito público e a economia pública, gerando a  instabilidade nas  relações comerciais e econômicas. São situações que abalam a credibilidade daqueles que  negociam, além das  perdas naturais do relacionamento  comercial. Dentro desta  linha de raciocínio entendemos que  o crime de falência tem natureza  pública, gerando a instabilidade  ao crédito  público e à  economia  pública”.
                                   Este conceito, já sedimentado desde  o advento do Decreto-Lei nº 7.661/45, não foi inteiramente  modificado pela nova Lei nº 11.101/2005.


                                   Quanto  ao seu  elemento subjetivo, o crime falimentar  é  eminentemente doloso, podendo ele ser de dano, quando resulta  uma circunstanciada de que trata  o artigo 186 da  lei especial em comento, devendo, nesta  hipótese, oferecer a denúncia seguidamente em 15 (quinze) dias.  Este prazo, como lógico, será contado a partir da data em que o Ministério Público receber novamente os autos.


                                   Com o advento da Lei nº 11.101/2005, e-vi do seu artigo 200, restaram revogados  os artigos 503 a 512  do Código de Processo Penal que  disciplinavam o processo e  julgamento dos crimes de falência e, assim, como prelecionou o Professor Arthur Migliari Júnior, em aula  proferida  na  EMERJ, durante  o período  de  vacatio   da  nova  lei,  haveria vários  momentos  “destinados à apuração dos crimes falenciais , não se  cingindo ela ao inquérito judicial, como era  no modelo do Decreto-Lei 7.661/45”.

 

Prossegue  o eminente  professor :
                                                              “Assim ,  podemos  observar que  o primeiro momento de apuração dos  crimes falenciais se dá com a decretação da  falência, ou da concessão da  recuperação judicial, sendo intimado o Órgão do Ministério Público (artigo 187, caput), ao qual incumbirá observar se age desde esse  instante, ou não, dentro de seu juízo de discricionariedade. (...)
           O segundo  momento  de apuração dos crimes falenciais se dará  quando da apresentação do relatório do administrador (art. 22,III,”e”, c/c 186. caput), quando este mostrar as responsabilidades civis e penais dos envolvidos nos processos falenciais e de recuperação de empresa” (ao mesmo estilo do que acontecia com o relatório do síndico na legislação anterior). (...)

           O terceiro momento se resume a  uma forma pouco comum de apuração de quaisquer delitos, eis que se dará em qualquer fase processual, desde que haja indícios de prática de delitos (art. 187, parágrafo 2º).

                                   Importante ressaltar que o legislador buscou, com a  nova lei, acabar  de vez com aquele anacrônico procedimento processual do inquérito judicial, prestigiado por tantos anos pelo Decreto-Lei nº 7.661/45, em seu artigo 103, cujo  desenvolvimento corria  no juízo falencial, até que a denúncia fosse recebida por despacho fundamentado, pelo qual o juiz da falência se despojava  da  sua competência e determinava a imediata remessa dos autos ao Juízo Criminal  para  posterior  prosseguimento da ação penal que, a partir de então, deveria obedecer  ás diretrizes traçadas  pela lei processual penal, previstas  nos artigos  503 a 512 do Código de Processo Penal, o que, aliás, já  não vinha sendo efetivamente observado.

                                   Hoje, por força do que dispõe o artigo  187 da LRE, ao ser  intimado  da  sentença, quer daquela que decreta a quebra  ou da que concede a recuperação judicial, o Ministério Público, se verificar a  prática de crime previsto na  nova lei especial ou mesmo a existência de  indícios sérios e concludentes dos delitos, estará legitimado para, imediatamente, como quer a  lei, deflagrar ação penal ou, se assim  não entender, em razão de ausências de documentos capazes de revelar  um suporte  mínimo acusatório, poderá requisitar a  instauração de  inquérito policial, este disciplinado pelos artigos  4º a 23 do Código de Processo Penal, consoante dispõe o artigo 188 da LRE.

                                   Averbe-se, entretanto, por  disposição expressa do artigo 192, parágrafo 1º da LRE, ainda restou preservada a  figura do inquérito  judicial, cuja conclusão deve ser aguardada, por não se aplicar a  nova lei aos  processos de falência  ou concordata, desde que ajuizados anteriormente à sua vivência, os quais deverão ser concluídos em conformidade com o estatuído pelo Decreto-Lei 7.661/45.

                                   Por  outro lado, como a Constituição Federal legitima plenos poderes ao Ministério Público para  promover ações em defesa dos  interesses difusos e coletivos, pode também o Parque   ajuizar ação civil pública, quer  por meio de inquérito civil (art. 8º da Lei 7.437/85), ou, ainda, por peças  de informações (art. 129, I,III,VI, VIII e IX, da Carta Constitucional Federal), podendo ser este mais um momento ou meio para também se apurar  prática  de crimes falenciais, isto porque “a ação civil de responsabilidade dos danos patrimoniais  abrange tanto os interesses difusos quanto  os  coletivos, neste último aspecto, a comunidade de credores  habilitados ou não”, como se  infere, aliás, do artigo 186  da LRE, que faz expressa referência ao artigo 22, III, “e”, da aludida nova lei especial.

                                   Rematando, segundo dispõem os artigos  183 a 188 da LRE, o rito procedimental do crime falimentar  ou falencial é de natureza  sumária, previsto nos artigos  538 a 540 do Código de Processo Penal, uma vez que, a partir da Constituição de 88, o procedimento judicialiforme restou sepultado, tendo em vista a norma expressa do artigo  129, I, da  CF, que assegura somente ao Ministério Público, como uma de suas  funções institucionais, a legitimidade privativa para promover ação penal pública.

                                   Entendamos, pois, o rito procedimental do crime falimentar.
                                   1. É da competência do juízo criminal da  jurisdição onde tenha sido decretada a falência conhecer e julgar a ação penal proposta  por infração  dos tipos previstos nos artigos 168 a 178 da LRE.

                                    Esta regra expressa  no artigo 183 da referida  lei estabelece  o princípio da  unidade do juízo falencial, criando uma exceção ao princípio da competência  ratione loci  contemplado no artigo 69 do Código de Processo Penal, isto é, permite a  nova lei que o fato de longe seja  julgado na jurisdição da falência.

                                   Quero dizer que, apesar de a  primeira regra definidora da competência em matéria penal se situar exatamente no lugar da infração, ditando o artigo 6º do Código Penal que “considera-se  praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como onde produziu ou deveria produzir-se o resultado”, segundo a nova lei, ainda que a ação criminosa  venha a ser  praticada em local outro, a teor de seu artigo 183, prevalece  o princípio da universalidade que previne a competência do juiz criminal da  jurisdição onde tenha sido decretada a falência, concedida a recuperação judicial ou homologa o plano de recuperação extrajudicial, para conhecer da ação penal pelos  crimes  nela previstos.

                                   Na verdade, a   nova  lei construiu uma derrogação da regra do julgamento no distrito da culpa, quando se sabe que  onde o crime foi praticado, onde a ordem social foi violada, aí deve haver a manifestação do jus  persequendi  e aí  deve realizar-se o  jus puniendi, isso porque o lugar da infração é o mais indicado para o processo, por vários motivos, dentre os quais sobressaem dois : o primeiro está atrelado ao princípio da prevenção geral, pois a pena, entre suas diversas finalidades, tem a de prevenir o crime, e o castigo imposto ao delinqüente é exemplo a ser edificado na comunidade  onde o fato se passou; o outro é que aí existem, em regra, as provas do delito, pois elas, em sendo colhidas, geralmente  no local do crime por tal razão e conseqüentemente, poderão ser melhor pesadas e apreciadas pelo julgador da  localidade  onde ele foi perpetrado.
                                   2. Firma a regra da ação penal pública  incondicionada e suprime a figura do assistente de acusação;
                                   3. Estabelece o rito sumário, a teor dos artigos 538 a 540 do Código de Processo Penal, após recebida a denúncia;

                                   4.  Recebida a denúncia, regularmente citado o réu, será ele  interrogado, deferindo-se-lhe  prazo  para oferecer alegações preliminares e arrolar até cinco testemunhas,  ex vi  do artigo  539 do Código de Processo Penal. Inquiridas as testemunhas, passa-se aos debates orais, seguindo-se a sentença, que pode ser prolatada na audiência, caso o juiz se  julgue habilitado para decidir a questão. Caso contrário, a teor do disposto no artigo  538, parágrafo 3º do Código de Processo Penal, o julgador poderá determinar que os autos lhe sejam conclusos para decidir  no prazo de  5(cinco) dias.
                                   Em verdade,  com esta  nova lei, o legislador buscou dar maior celeridade ao julgamento dos crimes falimentares ao estabelecer  o rito sumário ,que se aplica a todos  os feitos, ainda àqueles em que o andamento tenha sido iniciado à luz do Decreto-Lei 7.661/45, por se tratar de regra de direito processual, de  incidência imediata, como previsto no artigo 2º do Código de Processo Penal, descabendo, portanto, qualquer alegação de afronta a princípio constitucional. Desprezado, assim, o rito mais lento, o legislador buscou impedir que a maioria dos crimes falimentares prescrevessem , dada  a complexidade da apuração do tipo penal, muitas vezes desdobrada  em inúmeros estágios no curso da investigação falencial para se chegar até a decretação da quebra, esta como condição objetiva de  punibilidade. Visou, em verdade, o legislador, a  uma rápida entrega da prestação jurisdicional.
DOS TIPOS  PENAIS
                                   A nova lei pune com mais gravidade os crimes contábeis e, na medida em que fomenta a  pena, faz com que o comerciante reflita e pense mais um pouco na cautela que deve ter  no desempenho da sua atividade comercial, não porque a pena em si só possa  intimidar, mas sobretudo, porque a lei encerra, aliás com muita evidência, a certeza da  punição e as conseqüências dela decorrentes.

                                   A regra da prescrição, como novidade, passou a ser regulada pelo Código Penal, conforme expressamente dispõe o artigo  182 da LRE.

                                   Por outro lado, a respeito das causas  interruptivas do lapso prescricional, a nova lei, no parágrafo único do artigo 182, apenas estatui que a decretação da falência do devedor interrompe a prescrição cuja contagem tenha sido iniciada com a concessão  da recuperação  judicial ou com a homologação do plano de recuperação extrajudicial. Importante realçar, contudo, apesar do silêncio da  lei falencial, que também interrompem o cursos da prescrição o recebimento da denúncia, a sentença condenatória recorrível, o início ou continuação do cumprimento da pena e a reincidência,  ex-vi do artigo  117, I, IV, V e VI do Código Penal, c/c o artigo 182, parágrafo único da LRE.

                                  A respeito, pela Súmula 592, o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento de que “nos crimes falimentares aplicam-se as causas  interruptivas da prescrição previstas no Código Penal” e, com o advento da nova lei, nada restou alterado no entendimento sumulado.

                                   Incide, também, na nova lei, a redução dos prazos prescricionais, conforme disposto no artigo 115 do Código Penal, que disciplina : “são  reduzidos  de metade  os prazos de prescrição quando o criminoso era, ao tempo do crime, menor de vinte e um anos de idade, ou, na data da sentença [aqui entendida condenatória]  maior de setenta anos de idade”.

                                   Importante aclarar que, fugindo à regra do tempus  regit actum,  o prazo da prescrição da pretensão punitiva não começa a correr  do dia em que  o crime se consumou, como previsto no artigo 111, I, do Código   Penal, mas da data da decretação da falência, da concessão da recuperação judicial ou da homologação do plano de recuperação extrajudicial.

                                   Uma outra questão  , é  importante comentar, diz respeito à suspensão do prazo prescricional, em face do absoluto silencia da  nova  lei. Assim é que, decretada a falência e havendo interposição de recurso, até que a instância superior julgue, não há a  menor dúvida de que está suspenso o prazo prescricional  por incidência, na hipótese, do artigo 115 do Código Penal, até que seja pacificada  ou não a validade da sentença recorrida.

                                   Outro aspecto interessante é reconhecer-se  que, uma vez  iniciado o processo de recuperação, interrompe-se automaticamente o prazo prescricional; frustrada a recuperação, pode ser retomado o lapso prescricional como advento da sentença declaratória da quebra.

                                   O artigo  168 da LRE cuida  da fraude contra credores, figura delituosa que  não é nova visto que  já contemplada  no artigo 187 do Decreto-Lei 7.661/45, agora, entretanto, punida com pena   severa e que oscila entre  3 a 6 anos de reclusão, e  multa, sendo que anteriormente a pena era de 1 a 4 anos  de reclusão.

                                   A  novidade, contudo, é a  imposição cumulativa da  pena reclusiva com a pecuniária, esta com previsão no artigo  49 do Código Penal e seus parágrafos. Outra  novidade trazida pelo legislador reside no elemento subjetivo, agora a título de dolo específico ou direto, à medida em que, contrariamente à previsão contida na legislação revogada, estabeleceu-se que o ato fraudulento há que ter  fim específico e finalístico voltado    para obter ou assegurar vantagem indevida para si ou para outrem, ao passo que, à  luz do revogado artigo 187 do Decreto-Lei nº 7.661/45, o fim visado pelo agente não era  obter, mas criar  ou assegurar   injusta vantagem para si ou para  outrem.

                                   Por outro passo o legislador, nos parágrafos primeiro e  incisos segundo e terceiro do suso mencionado artigo  168 da LRE, criou tipos subordinados que geram causas especiais de aumento da pena. Como novidade, passou a  punir com agravamento da pena de 1/3 até a metade, se  o devedor manteve  ou movimentou recursos  ou valores em contabilidade  paralela àquela exigida pela legislação,  admitindo, mais adiante, no parágrafo terceiro do mesmo artigo 168, o concurso de pessoas, estendendo uma malha para alcançar os contadores, técnicos contábeis ou outros profissionais que, direta  ou indiretamente, de qualquer  modo   concorreram, na medida da sua culpabilidade, para as condutas criminosas descritas no seu parágrafo primeiro, incisos I a V e parágrafo segundo.

                                   Sensível ao funcionamento das microempresas  ou de empresas de pequeno porte, o legislador, no parágrafo quarto, do artigo 168 em testilha, criou causa especial de diminuição da pena, admitindo   , também , a possibilidade da substituição da  mesma, sempre que  não se constatar prática habitual de conduta fraudulenta por parte do falido. Na hipótese, a redução oscilará de 1/3 até  2/3, ou, se satisfeitas as diretrizes do artigo  44 do Código Penal, o Juiz poderá, também, substituir a pena privativa da liberdade  por  restritivas de direitos, pelas perdas de bens e valores ou pela prestação de serviço à comunidade.

                                   Também punido a título de dolo direto , está o crime de violação de sigilo empresarial, previsto no artigo  169 da LRE, repousando o atuar  injusto do agente na contribuição consciente para ( o fim de) conduzir o devedor a estado de  inviabilidade econômica  ou financeira. No mesmo sentido, o crime de divulgação de  informações falsas, previsto no artigo 170 da  LRE , cujo elemento subjetivo do tipo reside na ação de divulgar  ou propalar, por qualquer  meio, informações sabidamente falsas sobre o deve dor em recuperação, visando levá-lo à falência ou, ainda e alternativamente, para  obter vantagem  (vantagem essa que só pode ser econômica  ou financeira, é a conclusão a que se chega em face do silencia do legislador). Impende ressaltar, ainda, que  somente a divulgação sabidamente falsa é que  integra  o tipo penal em tela. Estas duas  modalidades de crime representam, sem dúvida,  uma novidade da  nova lei, cujo escopo é o de proteger  os devedores.

                                   O artigo 171 da  LRE cuida  do crime de  indução ao  erro, delito que se assemelha ao de fraude processual, previsto no artigo  347 do Código Penal. Aqui, diferentemente daquele, o tipo contempla  uma hipótese  específica de fraude direcionada ao processo de falência, de recuperação judicial ou de recuperação extrajudicial, que  se  pune a título de dolo e se especifica pelo fim de  induzir a erro  o Juiz, o Ministério Público, os credores, a assembléia geral  de credores, o Comitê ou o administrador  judicial. Trata-se, como se  infere do próprio tipo, de crime formal ou de mera conduta, cujo  summatum opus   ocorre desde que  ultimada a sonegação ou a  omissão de  informação, ou, ainda, prestadas  informações falsas, pouco importando que se siga  ou não o engano do juiz,  do Ministério Público etc. ou, ainda, que  por motivo superveniente, o processo não chegue à fase de  julgamento, desde que o artifício articulado mostre-se  idôneo a enganar.

                                   Este crime, entretanto, é autônomo e  não subsidiário, admitindo-se, contudo, cúmulo material com outro delito mais grave (p.ex., art. 268 da LRE).

                                   Ó artigo 172 descreve tipos de crime ante e  pós-falimentar. O primeiro, se a conduta antecede a sentença declaratória da quebra  ou a que concede a recuperação extrajudicial . O segundo, se a conduta criminosa  é  posterior. Em qualquer  hipótese, o sujeito ativo pode ser  próprio ou impróprio, visto que o legislador não distinguiu quem  pode praticar  o ato de disposição ou oneração patrimonial, ou gerador de  obrigação, destinado a favorecer  um ou mais credores, em prejuízo dos demais. No parágrafo único do artigo 172, o legislador previu a mesma pena de  2 a  5 anos de reclusão e  multa para aquele que recebeu os bens, desde que comprovado um  nexo  subjetivo de conluio com aquele que praticou a conduta  prevista  no  caput do mesmo artigo, demonstrado que  se  beneficiou em detrimento dos demais  credores.

                                   A  novidade trazida  pelos artigos  173 e 174 da  LRE  repousa  no uso dos bens. Notam-se, contudo, duas  imperfeições do legislador. A primeira, no artigo 173, quando deixou sem punição aquele que ainda  não teve a falência decretada  e  não estava em recuperação, apesar de  o referido dispositivo  legal falar  em “massa falida” , a concluir-se pela existência  já sedimentada  da  universalidade  de direito, ao passo que, na dicção do artigo 174, o legislador  optou  por não punir aquele que praticou crimes  contra  bens  da empresa em recuperação, privilegiando tão-só os bens pertencentes à  massa falida.

                                   No artigo  175 da LRE, o legislador repristinou a figura delituosa contemplada  no artigo 189,II, do Decreto-|Lei 7.611/45, à  medida em que cuida da  habilitação ilegal  do  crédito.

                                   Já no artigo 176, está prevista a  hipótese de exercício ilegal  de atividade, visando a   punir  aquele que  desrespeita  decisão  judicial que  inabilita  ou incapacita alguém para  o  exercício do comércio.

                                   Esta  figura delituosa  também tem previsão no artigo  359  do Código Penal, que  pune com pena de detenção  aquele que desobedece decisão judicial sobre  perda  ou suspensão de direito. Vê-se,pois, que a  intenção do legislador foi a de assegurar  penalmente  o cumprimento de pena restritiva de direito. O  que  se  incrimina,  bom é realçar, é o fato de exercer atividade para a qual foi inabilitado  ou incapacitado, e, conforme expressamente declara  o tipo penal, é preciso que a  inabilitação ou incapacidade de que  se cuida decorra  de decisão  judicial, definitiva  ou em caráter  provisório.

                                  O  elemento  subjetivo é  o dolo genérico, e  o crime  se  consuma com a efetiva prática de qualquer ato  que  implique violação  da  decisão  judicial no  tocante à  inabilitação ou incapacitação  para a  atividade  comercial.


                                    O artigo 177 da LRE  descreve  um crime falencial impróprio e de consumação antecipada, porque a conduta se exaure antes de qualquer  prejuízo para  a massa falida. O que  ser  pune  na espécie  é a  mera  especulação, quebrando o  princípio da  boa-fé. Vê-se, pois, que  quando o legislador cuida da  especulação, está, em  verdade, punindo a  mera  intenção do agente. Nota-se, assim, neste  dispositivo, mais  uma  falha  do legislador à medida em que deixou de fora  o depositário de bens, exatamente aquele que, mais do que qualquer  outra  pessoa, melhor  conhece  os  bens  da  massa falida.


                                   Na hipótese,  se conceituada a conduta  nos  limites do crime  meramente  formal, ou seja, crime que  descreve  um resultado que efetivamente  não se precisa verificar  para a  ocorrência  da  consumação, bastando, tão-só, a ação   meramente  volitiva do agente,  in casu, esta  isolada  especulação de  lucro para a concretização de seu intento, desde que  manifestada, à  evidência  no atuar reprovável do agente, é o suficiente  para  configurar um dano em potencial. Na verdade, em crimes desta  natureza  que,  à  primeira  vista,m parece  buscar-se  punição em razão da  mera  cogitatio impõe-se entender  que o legislador visou a definir   um  tipo  penal de consumação antecipada , satisfazendo-se  com  a  mera conduta que antecede, ou , em  última análise, alheia-se  por completo ao  eventus  danni,  segundo  a  lição de Hungria. Há que  se ressaltar,  contudo, que, na  parte  final do artigo 177 da LRE , quando   o legislador fala da “especulação  de  lucros”,  está  ele descrevendo tão-somente  o comportamento do agente, sem se  preocupar   com o resultado, satisfazendo-se, como se  pode  concluir, com a sua  mera volição. Contudo, comprovada, em decorrência  da  especulação de  lucro, a  existência de  um efetivo  eventus  danni ,  capaz  de tipificar  autonomamente  outro  injusto, definido  nesta  lei especial  ou  no Código Penal, é de se  recepcionar  na capitulação  a  figura do concurso de crimes.


                                   O artigo 178,  por  derradeiro, descreve  um tipo de  crime subsidiário, comissivo   por  omissão, sendo  o único,  na  nova  legislação falencial, que  permite a suspensão condicional  do  processo, porque  elencado no rol daqueles  crimes  de menor potencial ofensivo, cabendo, portanto, aplicação do artigo  89  da Lei 9.099/95  e  artigo 2º da Lei  10.259/01.


                                   Infere-se que   o agente, ao deixar  de elaborar, escriturar  ou autenticar  os documentos  de escrituração contábil obrigatórios, pratica uma conduta  omissiva  imprópria  ou comissiva   por  omissão, certo  que  a  omissão  no seu atuar  reflete  o meio pelo qual   o agente  produz  o resultado, cabendo lembrar  que, em crimes  desta natureza,  o que  a  lei pune  não é a  omissão em si, devendo o agente  responder tão-somente  em razão do resultado  decorrente  da sua  deliberada  conduta  omissiva, conduta esta a que  está  obrigado a  impedir. Esta  é  a  conclusão  lógica a que  se  chega   em razão da  regra que soa  do parágrafo 2º do artigo  13  do Código Penal, ao dispor, verbis :


A omissão é penalmente relevante quando  o omitente devia e  podia  agir  para evitar  o resultado. O dever de agir  incumbe  a quem tenha  por  lei  obrigação de cuidado, proteção e  vigilância; de  outra forma  assumiu a responsabilidade de  impedir  o resultado  ou com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência  do resultado.


                        O  legislador, como  se  infere, dá especial relevo à figura do garantidor, destacando a  relevância da  omissão. Como  leciona o professor  Cezar Roberto Bitencourt  a  respeito  do tema :


                       Na  omissão  ocorre  o desenrolar de  uma cadeia causal que  não foi determinada  pelo  sujeito, que  se  desenvolve  de maneira estranha a ele,  da qual é  um mero observador. Acontece que a lei determina-lhe  a  obrigação de  intervir  nesse  processo,  impedindo que  produza  o resultado  que  se quer  evitar. Ora, se  o agente  não  intervém,  não se  pode dizer que causou o  resultado, que  foi produto daquela  energia estranha a ele, que determinou  o processo causal.
E prossegue  o eminente  professor :


                       Na verdade, o sujeito  não  o causou, mas como não o impediu, é equiparado  ao verdadeiro causador do resultado. Portanto, na  omissão  não há o nexo de causalidade,  há  o nexo  de  não  impedimento. A  omissão  relaciona-se  com o resultado  pelos  seu  não  impedimento e  não pela sua causação. E esse  não  impedimento é  erigido pelo Direito à  condição de causa, isto é, como se  fosse a causa real. Dessa forma, determina-se a  imputação  objetiva do fato.


                                   Contudo, a   omissão só  integrará  o elementodo crime  falencial  no  momento   em que   ocorrer  o advento  da  sentença de quebra ou de recuperação, isto porque  a  simples  omissão,  solta  no  mundo exterior,  sem que  tal ocorra,  pode, quando  muito, caracterizar um tipo contravencional  previsto  no  artigo  49  da LCP, ainda vigente,  ou,  quiçá,  o tipo  do artigo  297 , parágrafo  2º,  do Código Penal.


                                   Na  hipótese  de ocorrer    a  prática  do crime  previsto  neste  artigo,  a competência  se  firmará  em favor do Juizado  Especial  Criminal,  observando o que dispõe  o  artigo  183  da  LRE.


                                   Com  estas  breves  considerações, espero contribuir  para  que  todos  possamos  viver  mais  intensamente  esta  nova  e  revolucionária lei.

 


 

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